As Paranoias de Alastair Dias

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¬ ¬ Na boa, não sei o que é pior: Dia do Beijo ser numa Sexta-Feira 13 ou a Sexta-Feira 13 ser no Dia do Beijo...

E o Alec me enchendo o saco ainda com a divulgação antecipada que fiz da sua antologia... Agradeço os comentários recebidos neste post, o que prova que estou no caminho certo das trollagens coisas.

Como (graças aos bons deuses) não sou ligado a superstições, para mim é uma sexta muito foda chata de trabalho, gritaria e pancadaria!

E nem me fale em beijo! ¬ ¬

E para não deixar este dia passar em branco (ou em vermelho ou preto, sei lá), publico aqui um trecho exclusivo de O Cão Negro (neste ritmo publico todo o livro aqui antes do dia do lançamento) para as crianças saborearem...




Capítulo I
 Barreiras, Oeste da Bahia, Brasil, 2010.



I




Naquela manhã os corpos encontrados chamavam a atenção. Dois homens foram atacados — aparentemente — por algum animal de grande porte. A análise preliminar, feita por quem chegou primeiro ao local, indicava que houve alguns disparos, mas de nada adiantou para deter o assassino, que os atacou com brutalidade, matando-os com golpes mortais, estripando-os e mutilando-os.

A polícia examinou o local antes, durante e após isolá-lo.

Descobriu-se os pedaços espalhados das vítimas, dois ladrões que há um bom tempo davam um trabalho para serem capturados. Era uma cena horrível de ser ver: braços, pernas, cabeças, vísceras, roupas rasgadas e ensaguentadas, tudo distribuído pelo perímetro de maneira macabra, atestando a barbaridade do ataque.

Foram encontradas pegadas de um animal de porte avantajado, contudo de espécie desconhecida. Assemelhava-se com as patas de um cão, embora possuísse um tamanho que mais lembrava as de um felino de grande porte, como uma onça. Claro que logo o mistério se intensificou quando fora percebida a singularidade das pegadas, pois era mais semelhantes a de um homem descalço, com leves traços caninos, do que de um animal quadrúpede.

Alguns veterinários foram chamados, além dos peritos de criminalística, e eles apontaram os mesmos detalhes, destacando, porém, algumas características curiosas sobre a fera assassina.

Segundo os especialistas, o animal pesava entre oitenta a cem quilos, a julgar pela facilidade com que destroçara os dois criminosos; deveria, também, medir de um metro e oitenta a dois metros ou mais para conseguir uma proeza como aquela, afinal um dos assassinados era muito robusto, representando certo obstáculo para ser vencido, ainda mais armado. Ainda na cena do crime, foi possível identificar traços da presença de um grande lobo, de pelagem escurecida, o que ficou evidente no exame das mordidas.





Os veterinários e os peritos concordaram neste ponto: o assassino era um lobo ou algum canídeo de grande porte, inexistente naquela região, provavelmente fugitivo de algum circo ou cativeiro, ou algo parecido, e ao ficar faminto, atacou aqueles bandidos com grande fúria e agressividade.

Durante alguns dias investigou-se sobre possíveis lugares que poderiam ter sido do animal canídeo. A população, neste período, mostrou-se assustada e supersticiosa, evitando a qualquer custo andar pelas ruas depois das dez horas da noite; todos evitavam os arredores da mata, das fazendas, dos cemitérios; quem morava na zona rural vivia sempre alarmado e cercavam-se de armas, cães bravos e cuidados contra o sobrenatural.

O prefeito ainda tentava tranquilizar a cidade, prometendo melhoras na segurança pública, afinal em ano de eleição aquele perigo desconhecido poderia lhe custar votos para seu segundo mandato. E ele realmente cumpriu o que prometera, aumentando o número de policiais e de guardas civis.

O tempo foi passando e já se corria um mês e meio desde o ataque do Lobo de Barreiras, como ficou conhecido. Pouco a pouco o medo geral foi se extinguindo e a vida começou a seguir seu curso normalmente. Ora ou outra alguém se recordava do caso e ria, achando graça daquela superstição boba e inadequada para uma cidade tão grande como aquela.

Talvez pelo marasmo da crença naquilo que outrora se temia ou por outro fator desconhecido, mas um segundo ataque, agora mais cruel e sanguinário ocorreu.

A cidade entrou em choque quando corpos foram encontrados no cemitério, totalmente esfolados numa poça imensa de sangue enegrecido. Em volta, num círculo perfeito, treze velas vermelhas ardiam inalteráveis, produzindo uma chama quase negra. Alguns túmulos foram abertos e os cadáveres, muito recém enterrados, tinham parte do corpo em decomposição para fora, como se tivessem sido trazidos para o exterior ou se erguido das tumbas.

Detesta vez não havia sinal de um animal canídeo ou lupino, como anteriormente, embora fossem encontradas pegadas similares com as do ataque passado.

Não demorou muito e foram encontradas as peles dos sete infelizes mortos. Estas estavam esticadas sobre um grande túmulo, onde jazia o corpo de um homem chamado Astolfo Alexandrino Cardoso dos Santos e Costa. Estava em estado perfeito, sem resquícios de sangue, como se tivessem sido tratadas e curtidas, antes de serem postas ali.

O horror foi geral e alguns policiais, os que já haviam suportado a visão dos corpos esfolados, em carne viva e ensanguentada, no meio de uma poça de dez centímetros de altura coberta de sangue, não aguentaram e vomitaram, completamente enojados.

Os que suportaram a segunda visão foram capazes de verem outra; havia marcas de garras na lápide. Apenas uma palavra no epitáfio estava completamente destruída, sendo possível identificar apenas uma letra: B.

As pessoas que moravam por perto foram interrogadas e disseram exatamente a mesma coisa, mudando apenas a versão.

Por volta das nove horas da noite, que fora marcada por uma chuva intensa após um dia ensolarado, os cães ladraram inexplicavelmente por quase uma hora. Quem procurou identificar o motivo deste comportamento atípico não foi capaz de fazê-lo; os animais pareciam estranhar a própria sombra, pois nem trovões ou relâmpagos havia naquela noite. Os gatos, como contaram outros, também agiram de maneira estranha, miando e assumindo uma atitude de defesa e contra-ataque comum diante de um cachorro.

A partir das dez, o silêncio completo. Os animais domésticos, que antes latiam ou miavam sem pausa, alarmados, agora estavam quietos, olhando o vácuo e demonstrando medo, um medo tão grande que dois chegaram a morrer misteriosamente após urinarem intensamente. Alguns apenas urinaram e emitiram sons baixinhos, como quando alguém os repreende ou os machuca com muita violência.

Às onze horas ocorreu um fato curioso com as pessoas. Não com todas, mas com uma parcela significativa para o caso ser incluído nos relatórios do ocorrido.

Quem conseguiu dormir, aninhado pela chuva gostosa, teve sonhos estranhos com cães de olhos vermelhos, pelos negros e proporções descomunais para um animal daquela espécie. Outros puderam ouvir latidos próximos, acordando e nada vendo além do quarto na penumbra; assustados, demoraram a dormir. Houve, também, quem ouviu vozes de uma jovem sendo torturada e até sonhou com isso, acordando banhados em suor e num estado quase catatônico.



Contudo, foi depois da meia-noite, quando a chuva já estava mais fraca, que sucedeu a coisa mais sobrenatural e assustadora, algo que fez alguns passarem mal só de lembrarem.

As luzes ardiam entre as tumbas. E um enorme cão, de tamanho avantajado, mais parecido com uma assombração do que com um animal pertencente ao nosso mundo, andava acima dos muros, ora ou outra erguendo a cabeça e uivando, uivos tão altos que fizeram muitos corações palpitarem horrivelmente e o sangue congelar no corpo. Em certo momento, a criatura tornava-se bípede, assemelhando-se a um homem esguio e com traços esqueléticos e demoníacos, logo voltando a ser um cão.

O fato poderia ter sido ignorado, mas os vídeos e fotos feitos por celulares e câmeras fotográficas digitais confirmaram os relatos.

E aquilo trouxe medo, uma sensação mais angustiante do que a que se sentiu com o ataque do Lobo de Barreiras.



II




Todos os noticiários comentavam sobre o crime macabro ocorrido no cemitério. Os mais sensacionalistas, como os que existiam na capital, dedicaram-se a entrevistarem as testemunhas e exibirem as imagens da criatura misteriosa metamorfa. E assim todo o estado ficou em assombro com cada novo detalhe revelado de forma oficial ou não.

No decorrer de dois dias mais coisas foram descobertas sobre as sete pessoas mortas.

Quatro delas eram procuradas pela polícia por acusações de pedofilia, sendo que uma era uma mulher com uma longa ficha criminal, incluindo cárcere privado e tortura do enteado, com quem ainda teve relações sexuais; o restante era formado por estupradores de mulheres que voltavam à noite ou do trabalho ou do colégio, no caso de jovens.

O coveiro, que fugiram do local devido ao grande barulho de ossos rangendo e uivos ensurdecedores, alegou que não vira ninguém entrando minutos antes, pois, após anos de ofício, aprenderam a identificar a presença dos vivos perfeitamente. Vira, completou o idoso, um animal estranho rondando por ali, meia hora antes; era um vira-lata de porte médio, manso, a julgar que lhe sacudiu a cauda e nem se incomodou em atacá-lo.

Não havia qualquer sinal de arrombamento ou de que alguém pulara no muro — hipótese mais aceita até então. Tudo ocorrera de modo inexplicável, o que abria brechas para especulações.

Havia ocorrido um ritual de magia negra, sem sombra de dúvida, e algo saíra de controle, resultando no despertar dos mortos, que clamaram por justiça diante da violação de seus túmulos e mataram, esfolaram e criaram a poça de sangue, esticaram as peles e puseram na maior cripta encontrada. Esta era a crença geral.

O que ninguém, entretanto, conseguia relacionar ao acontecimento era aquele monstro. O que tinha a ver com as mortes e as violações de sepulturas? E o comportamento dos gatos e cães, que agiram por horas de forma inesperada e surpreendente? E os pesadelos das pessoas? Quais relações havia nisso tudo?

Era evidente que aquele caso estava além do conhecimento da polícia barreirense, o que fez o delegado enviar e-mails detalhados com os relatórios a amigos do país, buscando solucionar aquilo. Obteve algumas respostas, nada tão importante e que fosse acrescentar informações.

Na Internet, quando pesquisava nos buscadores sobre "O Lobo de Barreiras" e "O Caso dos Mortos Esfolados do Cemitério Barreirense", inúmeros sites eram abertos, todos relatando os fatos — alguns com exagero —, acrescentando teorias bizarras e consultando "especialistas" do paranormalismo, espíritas, padres, pastores, sensitivos, sem conseguirem chegar a um consenso.

Criou-se acerca desses dois eventos uma lenda urbana, que fazia a diversão dos estudantes. Era comum ouvi-los comentar sobre as coincidências dos casos, como todos os mortos serem criminosos perigosos, haverem pegadas de um grande canídeo, a existência de requintes de crueldade, e por aí se seguia uma lista vasta e digna de um autor de horror.

As cidades vizinhas também estavam em alerta, muito mais do que quando o Lobo era uma ameaça. Agora era algo além da compreensão, uma entidade sobrenatural que assombrava e intrigava, mesmo que a polícia tentasse desmitificar o crime. Não havia como negar.

Relatos avulsos, provavelmente de pessoas querendo algum destaque na mídia, eram comuns, como a história pouco verídica da jovem que fora salva de um grupo de drogados por um enorme cão que surgiu da parede de um beco e rosnou para eles; ou ainda da mulher que pensava em cometer suicídio com uma arma e do nada um animal lupino surgiu, mordeu-lhe a mão e lhe tomou a arma, desaparecendo como fumaça.

Outras pessoas, como um pastor de uma grande denominação da cidade, mereciam certo crédito — ou não, como criticou um ateu, no dia seguinte ao desabafo do religioso. Este dissera ter testemunhado uma enorme criatura entrar na igreja ao lado de um homem que parecia perturbado e se sentara no fundo. Durante todo o culto observara aquilo, notando que ninguém mais o via. Na pregação, comentou que havia um visitante que possuía uma maldição do Inimigo, ao passo que o homem se alterou e esbravejou algo — que era francês — e fora embora furioso, sendo seguido pelo que o pastor chamara de demônio de pelo negro.

De uma hora para a outra aquele cão negro ganhara contornos peculiares, ora como um justiceiro que matava ladrões, assassinos, estupradores e pedófilos, ora como um protetor da vida, impedindo estupros, suicídios e assassinatos. Noutras versões ganhava caráter demoníaco, de maldição pessoal; ainda adquiria um tom jocoso quando usado para advertir alguém.

Barreiras, desde o cidadão que pagava todos os seus impostos ao criminoso mais perigoso, toda a população temia como nunca antes a morte, a morte que um anjo negro traria, sem qualquer justificativa. Qualquer vulto ou sombra de origem suspeita provocava calafrios, e os cães de pelagem mais escura era temidos e mortos por alguns.

Um semestre se passou e o alvoroço passou. Não houve mais ataques do Lobo ou qualquer morte estranha. Os relatos sobre o cão negro e macabro cessaram quatro meses antes. Quanto ao caso, este fora dado como não-solucionado pela polícia, tornando-se uma lenda urbana, mesmo que real e recente.

 E aquela imagem ozada para os manolos!



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