As Paranoias de Alastair Dias

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“Está ficando escuro, escuro demais para ver.
Sinto-me como se estivesse batendo na porta do Céu.”
Bob Dylan





Lembro-me como se fosse hoje, tão concreto, real quanto eu. Recordo-me claramente de andar por uma trilha estranha, de árvores enegrecidas e de galhos retorcidos que parecia quererem me agarrar e me levarem para as entranhas da terra, levar-me para o Inferno. Meus pés descalços tocavam um chão pedregoso e ameno, sem o mínimo sinal de vida vegetal.

Eu olhava em volta, buscando algo, alguma coisa, alguém. Entretanto, tudo o que via era uma paisagem morta, nefasta, sombria e medonha sob uma nuvem negra que descarregava raios avermelhados que atingiam seus alvos com extrema violência e precisão, causando incêndios de chamas rubras. Era uma cena muito assustadora e bela.

Percebi logo que me vestia como aquelas guerreiras que viveram entre o fim do período clássico e o início do medieval. Sentia-me como uma amazona, uma guerreira medieval, ou algo parecido. Claro que era uma roupa mais folgada, mais feminina e estilizada do que as de antigamente, contudo em nada devia ao charme e poder.

Senti um peso considerável em minhas costas e soube imediatamente que portava uma espada. Aquilo me fez estremecer um pouco. Há anos sempre fui fascinada por armas brancas, sobretudo as espadas antigas e agora — mesmo que em sonho — eu tinha a oportunidade de manejar uma!

Estranhamente, ao fundo, como uma trilha sonora, pude distinguir uma canção familiar. Havia ouvido-a em inúmeras versões, como a de Avril Lavigne e Zé Ramalho, embora preferisse muito mais pela voz potente de Bob Dylan. Contudo, naquele momento era a versão rock’n’roll que ditava a letra. Quem cantava era Axl Rose, o vocalista do Guns N’ Roses!

Quão surreal havia se tornado meu sonho! Era eu uma guerreira vagando por uma trilha deserta e sem vida, trajando uma vestimenta estilizada e ouvindo a música que tanto gostava de ouvir! O que mais faltava acontecer?

Bem, acho que minha resposta fora logo respondida: diante de mim estavam dois imensos portões dourados. Cada um possuía um símbolo específico e desconhecido, porém bem desenhados naquele metal tão duro. Cada portão era guardado por uma criatura encapuzada que dedilhava uma harpa que emitia o som de guitarras, harmonizando-se com a música que parecia se tornar mais alta.

Examinei-os atentamente, buscando mais detalhes acerca do que queria significar tudo aquilo. Não havia fechaduras, travas, maçanetas, nada que as fizesse abrir ou se fechar.

De repente, para meu espanto, um dos portões se abriu, revelando um caminho florido, cheio de árvores floridas, borboletas para todos os lados, pássaros cantando, animais saltitantes por todos os lados. Era meio estranho, muito infantil para o meu gosto.

Claro que eu não entraria ali, pois era emboscada na certa. Quem, por amor de Deus, entraria por um caminho tão bonitinho assim, sem pestanejar? Eu não! Permaneci em pé, olhando para toda aquela tentação. Nem que me pagassem eu entraria.

Creio que após três ou quatro minutos a outra porta se abriu, revelando um caminho semelhante ao mesmo. Aquilo era sacanagem! Duas tentações iguais?! Que piada era aquela? Agora fiquei confusa quanto ao caminho que deveria escolher.

De repente surgiu um homem atrás de mim. Era um andarilho; ele assobiava tranquilamente o refrão da canção que ecoava por toda a extensão de meu sonho. Vestia-se com roupas gastas, feitas de couro acinzentado, sendo cobertas por uma enorme sobrecapa que arrastava sobre o solo cheio de pedras. Um capuz velho cobria-lhe o rosto, deixando visíveis apenas mechas dos cabelos em tons de prata e branco.

Olhei-o com certa repugnância aquela figura que se aproximava. Andava com calma, sem o mínimo de pressa, apoiando-se no que julguei ser uma bengala. Aquém seria aquele ser estranho e peregrino que se aproximava.

Ele passou por mim. Não pronunciou uma palavra sequer. Apenas entrou pelo portão da esquerda, o segundo a se abrir.

— Ei! — chamei, estranhando aquele descaso.

O andarilho parou, virou-se lentamente para mim e sem me fitar diretamente.

— Diga! — pediu ele, com a voz grave, tão firme quanto possível a um ser humano.

— Para onde você vai? — perguntei.

— Para algum lugar. Se quiser me acompanhar...

— Que lugar seria esse?

— Ainda não sei, mas pretendo descobrir.

Achei aquilo muito estranho.

Ignorando meu espanto, o peregrino voltou a andar. Ele parecia determinado a chegar ao local que tanto queria alcançar.

Sem muita opção naquele momento, segui-o.

— Quem é você? — indaguei, tentando ver seu rosto.

— Sou o que serei — respondeu-me, parecendo muito mais filosófico do que casual.

— É algum anjo ou demônio?

Escutei um riso baixo vindo debaixo do capuz.

— Garanto que não sou nem anjo, nem demônio — respondeu-me —, mas sou o que serei pela eternidade, pelo passar dos tempos, das gerações e das eras. Sou o que serei, assim como fui ontem, sou hoje e serei amanhã. Sobreviverei ao passar dos séculos, a guerras, a fome, a extinção humana... Sou o que serei.

— É Deus?! — atrevi-me a perguntar, entre o assombro e o receio.

Agora ele gargalhou, zombando de minha pergunta tola, o que me deixou irritada.

— O que você sabe sobre Pactos de Sangue? — replicou, após gargalhar por quase dez segundos.

— Pactos de Sangue?! — estranhei.

— Sim.

— Nada.

— Nunca fez sequer um?

— Não.

— Certeza?

— Sim.

— Hum...

Ele pensou um pouco. Ao fundo a canção parecia se iniciar outra vez.

— Por que tantas perguntas sobre isso? — questionei-o.

— Pactos de Sangue são feitos de formas diferentes, com ou sem o conhecimento prévio da outra parte envolvida, entende?

Assenti, embora confusa.

— É uma coisa antiga e perigosa, mas hoje em dia a garotada leva tudo na brincadeira, como foi o caso de seu... como é mesmo que se diz? Ah! Seu ficante — continuou o andarilho.

— Hein?!

— Ele foi seu primeiro namorado, certo?

— Bem... — hesitei, lembrando-me de tantas primeiras coisas que ele fora em minha vida.

— Houve um pacto de sangue quando ele a desvirginou.

Arregalei os olhos, fitando-o totalmente incrédula.

— Nem adianta me olhar assim, moça! — pediu ele, sem ao menos precisar olhar para mim. — Sei disso porque seu Anjo da Guarda me contou.

— Como?! — espantei-me. — Eu tenho um Anjo da Guarda?!

— Os humanos possuem um par de anjos, um da Guarda e outro... bem.. um demônio, o oposto do outro. São mais espíritos encarregados de guiarem a alma humana por certo tempo, algo que se encerra aos dezenove anos, quando a alma se torna livre.

— Sempre pensei que fosse lenda...

— Por trás das lendas se escondem as grandes verdades do mundo.

Não sabia se ficava constrangida por causa de ele saber sobre minha primeira vez ou surpresa por fazer parte de um Pacto de Sangue.

— Ele tinha um ferimento no dedo, não? — perguntou-me, fazendo-me ficar ainda mais sem jeito.

— Acho que sim.

— E você sangrou, certo?

Calei-me, envergonhada.

— Houve troca de sangue — continuou o peregrino, indiferente ao meu estado tão constrangedor. — Houve, portanto, um pacto. E você precisa pagar a sua parte.

— Eu não fiz pacto nenhum! — desesperei-me.

— Estéfane, para os Encomendadores não existe essa de fazer ou não de forma consciente. Foi feito e pronto. Houve um acordo estabelecido. E amanhã será o dia de vir receber o pagamento.

— Minha alma?

— Você e seu filho.

— Estou grávida?!

Parei subitamente, incapaz de raciocinar. Levei as mãos na barriga, tremendo um pouco.
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¬ ¬ Na boa, não sei o que é pior: Dia do Beijo ser numa Sexta-Feira 13 ou a Sexta-Feira 13 ser no Dia do Beijo...

E o Alec me enchendo o saco ainda com a divulgação antecipada que fiz da sua antologia... Agradeço os comentários recebidos neste post, o que prova que estou no caminho certo das trollagens coisas.

Como (graças aos bons deuses) não sou ligado a superstições, para mim é uma sexta muito foda chata de trabalho, gritaria e pancadaria!

E nem me fale em beijo! ¬ ¬

E para não deixar este dia passar em branco (ou em vermelho ou preto, sei lá), publico aqui um trecho exclusivo de O Cão Negro (neste ritmo publico todo o livro aqui antes do dia do lançamento) para as crianças saborearem...




Capítulo I
 Barreiras, Oeste da Bahia, Brasil, 2010.



I




Naquela manhã os corpos encontrados chamavam a atenção. Dois homens foram atacados — aparentemente — por algum animal de grande porte. A análise preliminar, feita por quem chegou primeiro ao local, indicava que houve alguns disparos, mas de nada adiantou para deter o assassino, que os atacou com brutalidade, matando-os com golpes mortais, estripando-os e mutilando-os.

A polícia examinou o local antes, durante e após isolá-lo.

Descobriu-se os pedaços espalhados das vítimas, dois ladrões que há um bom tempo davam um trabalho para serem capturados. Era uma cena horrível de ser ver: braços, pernas, cabeças, vísceras, roupas rasgadas e ensaguentadas, tudo distribuído pelo perímetro de maneira macabra, atestando a barbaridade do ataque.

Foram encontradas pegadas de um animal de porte avantajado, contudo de espécie desconhecida. Assemelhava-se com as patas de um cão, embora possuísse um tamanho que mais lembrava as de um felino de grande porte, como uma onça. Claro que logo o mistério se intensificou quando fora percebida a singularidade das pegadas, pois era mais semelhantes a de um homem descalço, com leves traços caninos, do que de um animal quadrúpede.

Alguns veterinários foram chamados, além dos peritos de criminalística, e eles apontaram os mesmos detalhes, destacando, porém, algumas características curiosas sobre a fera assassina.

Segundo os especialistas, o animal pesava entre oitenta a cem quilos, a julgar pela facilidade com que destroçara os dois criminosos; deveria, também, medir de um metro e oitenta a dois metros ou mais para conseguir uma proeza como aquela, afinal um dos assassinados era muito robusto, representando certo obstáculo para ser vencido, ainda mais armado. Ainda na cena do crime, foi possível identificar traços da presença de um grande lobo, de pelagem escurecida, o que ficou evidente no exame das mordidas.





Os veterinários e os peritos concordaram neste ponto: o assassino era um lobo ou algum canídeo de grande porte, inexistente naquela região, provavelmente fugitivo de algum circo ou cativeiro, ou algo parecido, e ao ficar faminto, atacou aqueles bandidos com grande fúria e agressividade.

Durante alguns dias investigou-se sobre possíveis lugares que poderiam ter sido do animal canídeo. A população, neste período, mostrou-se assustada e supersticiosa, evitando a qualquer custo andar pelas ruas depois das dez horas da noite; todos evitavam os arredores da mata, das fazendas, dos cemitérios; quem morava na zona rural vivia sempre alarmado e cercavam-se de armas, cães bravos e cuidados contra o sobrenatural.

O prefeito ainda tentava tranquilizar a cidade, prometendo melhoras na segurança pública, afinal em ano de eleição aquele perigo desconhecido poderia lhe custar votos para seu segundo mandato. E ele realmente cumpriu o que prometera, aumentando o número de policiais e de guardas civis.

O tempo foi passando e já se corria um mês e meio desde o ataque do Lobo de Barreiras, como ficou conhecido. Pouco a pouco o medo geral foi se extinguindo e a vida começou a seguir seu curso normalmente. Ora ou outra alguém se recordava do caso e ria, achando graça daquela superstição boba e inadequada para uma cidade tão grande como aquela.

Talvez pelo marasmo da crença naquilo que outrora se temia ou por outro fator desconhecido, mas um segundo ataque, agora mais cruel e sanguinário ocorreu.

A cidade entrou em choque quando corpos foram encontrados no cemitério, totalmente esfolados numa poça imensa de sangue enegrecido. Em volta, num círculo perfeito, treze velas vermelhas ardiam inalteráveis, produzindo uma chama quase negra. Alguns túmulos foram abertos e os cadáveres, muito recém enterrados, tinham parte do corpo em decomposição para fora, como se tivessem sido trazidos para o exterior ou se erguido das tumbas.

Detesta vez não havia sinal de um animal canídeo ou lupino, como anteriormente, embora fossem encontradas pegadas similares com as do ataque passado.

Não demorou muito e foram encontradas as peles dos sete infelizes mortos. Estas estavam esticadas sobre um grande túmulo, onde jazia o corpo de um homem chamado Astolfo Alexandrino Cardoso dos Santos e Costa. Estava em estado perfeito, sem resquícios de sangue, como se tivessem sido tratadas e curtidas, antes de serem postas ali.

O horror foi geral e alguns policiais, os que já haviam suportado a visão dos corpos esfolados, em carne viva e ensanguentada, no meio de uma poça de dez centímetros de altura coberta de sangue, não aguentaram e vomitaram, completamente enojados.

Os que suportaram a segunda visão foram capazes de verem outra; havia marcas de garras na lápide. Apenas uma palavra no epitáfio estava completamente destruída, sendo possível identificar apenas uma letra: B.

As pessoas que moravam por perto foram interrogadas e disseram exatamente a mesma coisa, mudando apenas a versão.

Por volta das nove horas da noite, que fora marcada por uma chuva intensa após um dia ensolarado, os cães ladraram inexplicavelmente por quase uma hora. Quem procurou identificar o motivo deste comportamento atípico não foi capaz de fazê-lo; os animais pareciam estranhar a própria sombra, pois nem trovões ou relâmpagos havia naquela noite. Os gatos, como contaram outros, também agiram de maneira estranha, miando e assumindo uma atitude de defesa e contra-ataque comum diante de um cachorro.

A partir das dez, o silêncio completo. Os animais domésticos, que antes latiam ou miavam sem pausa, alarmados, agora estavam quietos, olhando o vácuo e demonstrando medo, um medo tão grande que dois chegaram a morrer misteriosamente após urinarem intensamente. Alguns apenas urinaram e emitiram sons baixinhos, como quando alguém os repreende ou os machuca com muita violência.

Às onze horas ocorreu um fato curioso com as pessoas. Não com todas, mas com uma parcela significativa para o caso ser incluído nos relatórios do ocorrido.

Quem conseguiu dormir, aninhado pela chuva gostosa, teve sonhos estranhos com cães de olhos vermelhos, pelos negros e proporções descomunais para um animal daquela espécie. Outros puderam ouvir latidos próximos, acordando e nada vendo além do quarto na penumbra; assustados, demoraram a dormir. Houve, também, quem ouviu vozes de uma jovem sendo torturada e até sonhou com isso, acordando banhados em suor e num estado quase catatônico.



Contudo, foi depois da meia-noite, quando a chuva já estava mais fraca, que sucedeu a coisa mais sobrenatural e assustadora, algo que fez alguns passarem mal só de lembrarem.

As luzes ardiam entre as tumbas. E um enorme cão, de tamanho avantajado, mais parecido com uma assombração do que com um animal pertencente ao nosso mundo, andava acima dos muros, ora ou outra erguendo a cabeça e uivando, uivos tão altos que fizeram muitos corações palpitarem horrivelmente e o sangue congelar no corpo. Em certo momento, a criatura tornava-se bípede, assemelhando-se a um homem esguio e com traços esqueléticos e demoníacos, logo voltando a ser um cão.

O fato poderia ter sido ignorado, mas os vídeos e fotos feitos por celulares e câmeras fotográficas digitais confirmaram os relatos.

E aquilo trouxe medo, uma sensação mais angustiante do que a que se sentiu com o ataque do Lobo de Barreiras.



II




Todos os noticiários comentavam sobre o crime macabro ocorrido no cemitério. Os mais sensacionalistas, como os que existiam na capital, dedicaram-se a entrevistarem as testemunhas e exibirem as imagens da criatura misteriosa metamorfa. E assim todo o estado ficou em assombro com cada novo detalhe revelado de forma oficial ou não.

No decorrer de dois dias mais coisas foram descobertas sobre as sete pessoas mortas.

Quatro delas eram procuradas pela polícia por acusações de pedofilia, sendo que uma era uma mulher com uma longa ficha criminal, incluindo cárcere privado e tortura do enteado, com quem ainda teve relações sexuais; o restante era formado por estupradores de mulheres que voltavam à noite ou do trabalho ou do colégio, no caso de jovens.

O coveiro, que fugiram do local devido ao grande barulho de ossos rangendo e uivos ensurdecedores, alegou que não vira ninguém entrando minutos antes, pois, após anos de ofício, aprenderam a identificar a presença dos vivos perfeitamente. Vira, completou o idoso, um animal estranho rondando por ali, meia hora antes; era um vira-lata de porte médio, manso, a julgar que lhe sacudiu a cauda e nem se incomodou em atacá-lo.

Não havia qualquer sinal de arrombamento ou de que alguém pulara no muro — hipótese mais aceita até então. Tudo ocorrera de modo inexplicável, o que abria brechas para especulações.

Havia ocorrido um ritual de magia negra, sem sombra de dúvida, e algo saíra de controle, resultando no despertar dos mortos, que clamaram por justiça diante da violação de seus túmulos e mataram, esfolaram e criaram a poça de sangue, esticaram as peles e puseram na maior cripta encontrada. Esta era a crença geral.

O que ninguém, entretanto, conseguia relacionar ao acontecimento era aquele monstro. O que tinha a ver com as mortes e as violações de sepulturas? E o comportamento dos gatos e cães, que agiram por horas de forma inesperada e surpreendente? E os pesadelos das pessoas? Quais relações havia nisso tudo?

Era evidente que aquele caso estava além do conhecimento da polícia barreirense, o que fez o delegado enviar e-mails detalhados com os relatórios a amigos do país, buscando solucionar aquilo. Obteve algumas respostas, nada tão importante e que fosse acrescentar informações.

Na Internet, quando pesquisava nos buscadores sobre "O Lobo de Barreiras" e "O Caso dos Mortos Esfolados do Cemitério Barreirense", inúmeros sites eram abertos, todos relatando os fatos — alguns com exagero —, acrescentando teorias bizarras e consultando "especialistas" do paranormalismo, espíritas, padres, pastores, sensitivos, sem conseguirem chegar a um consenso.

Criou-se acerca desses dois eventos uma lenda urbana, que fazia a diversão dos estudantes. Era comum ouvi-los comentar sobre as coincidências dos casos, como todos os mortos serem criminosos perigosos, haverem pegadas de um grande canídeo, a existência de requintes de crueldade, e por aí se seguia uma lista vasta e digna de um autor de horror.

As cidades vizinhas também estavam em alerta, muito mais do que quando o Lobo era uma ameaça. Agora era algo além da compreensão, uma entidade sobrenatural que assombrava e intrigava, mesmo que a polícia tentasse desmitificar o crime. Não havia como negar.

Relatos avulsos, provavelmente de pessoas querendo algum destaque na mídia, eram comuns, como a história pouco verídica da jovem que fora salva de um grupo de drogados por um enorme cão que surgiu da parede de um beco e rosnou para eles; ou ainda da mulher que pensava em cometer suicídio com uma arma e do nada um animal lupino surgiu, mordeu-lhe a mão e lhe tomou a arma, desaparecendo como fumaça.

Outras pessoas, como um pastor de uma grande denominação da cidade, mereciam certo crédito — ou não, como criticou um ateu, no dia seguinte ao desabafo do religioso. Este dissera ter testemunhado uma enorme criatura entrar na igreja ao lado de um homem que parecia perturbado e se sentara no fundo. Durante todo o culto observara aquilo, notando que ninguém mais o via. Na pregação, comentou que havia um visitante que possuía uma maldição do Inimigo, ao passo que o homem se alterou e esbravejou algo — que era francês — e fora embora furioso, sendo seguido pelo que o pastor chamara de demônio de pelo negro.

De uma hora para a outra aquele cão negro ganhara contornos peculiares, ora como um justiceiro que matava ladrões, assassinos, estupradores e pedófilos, ora como um protetor da vida, impedindo estupros, suicídios e assassinatos. Noutras versões ganhava caráter demoníaco, de maldição pessoal; ainda adquiria um tom jocoso quando usado para advertir alguém.

Barreiras, desde o cidadão que pagava todos os seus impostos ao criminoso mais perigoso, toda a população temia como nunca antes a morte, a morte que um anjo negro traria, sem qualquer justificativa. Qualquer vulto ou sombra de origem suspeita provocava calafrios, e os cães de pelagem mais escura era temidos e mortos por alguns.

Um semestre se passou e o alvoroço passou. Não houve mais ataques do Lobo ou qualquer morte estranha. Os relatos sobre o cão negro e macabro cessaram quatro meses antes. Quanto ao caso, este fora dado como não-solucionado pela polícia, tornando-se uma lenda urbana, mesmo que real e recente.

 E aquela imagem ozada para os manolos!



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HORA DA TROLLAGEM!

XD


Em primeira mão, um dia antes do resultado oficial da seleção da Antologia Pulp Brazil, consegui com exclusividade acesso à lista completa dos contos selecionados, com a garrancheira letra do desorganizador, Alec Silva.
Como sei que ninguém aqui é leitor ou tradutor de rabiscos letras feitas no horário de trabalho (hieróglifos), tomei a liberdade de buscar saber o título dos contos (fucei os ficheiros do manolo, enquanto ele jantava miojo com peixe... O.o?!) e aqui transcrevo a vocês:


Enfim um caso digno do detetive Freddy Dreyfus

Randall e a Ocarina

A Prisioneira do Escravo

O Bruxo Desgarrado e a Doce Donzela
O filho de Dora

O Grimório de Lightalzen
Fuga de Gereissa

Marioneth
Entre Mundos e Tempos
A ESCOLHA
O Chamado de Nephilim
Veronica Lake fake

SALVATTI, O CAÇADOR

Guther

A Fonte de N´Rag-Shtah

O Rei-Trovador e a Legião dos Mortos
O INFERNO MEXICANO
A cidade fora do tempo
Última Parada
 

E com os teasers que o Alec já postou, sabemos quais são os contos, não?

Dia 7 é... bem... Ele só vai revelar o nome mesmo!

E aquela imagem ozada, manolo!

^^

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As Feras


  Durante o período da Inquisição milhares de pessoas, acusadas de pactos com o Diabo, feitiçaria e heresia, foram levadas para câmaras de tortura, onde, após horas ou dias de agonizantes interrogatórios, confessavam seus crimes, sendo então condenadas à morte na fogueira, na forca ou por meio de afogamento, para que assim pudessem expiar seus pecados contra Deus e serem purificadas e salvas das chamas do inferno.



Muitos inocentes foram injustamente acusados e torturados, sendo mortos cruelmente.



E esta noite, um inocente será vingado...







Prólogo



Em algum lugar entre Gévaudan e Vivarais, província de Languedoc, sul da França, 1767.



I

Os olhos lacrimejados, o pavor e o medo misturados a dor e ao cansaço. As lágrimas haviam se misturado ao sangue dos lábios ressecados e formado uma mistura homogênea salubre. O suor, também tão abundante quanto as lágrimas e o líquido da vida, escorriam impiedosamente, fazendo arder as feridas que insistiam em não se cicatrizarem. E o pavor no olhar, que outrora fora alegre e esperançoso, nos olhos castanho-avermelhados de uma alma sabedora de seu fim.

Foram longos dias até aquela tarde.

Primeiro a despiram, passando as mãos em seus órgãos genitais, alisando, cutucando, vasculhando em seu corpo os sinais visíveis de seu crime. Não satisfeitos, os inquisidores se dedicaram a alguns minutos de diversão, o que constituía de examinar minuciosamente cada orifício, cada canto de seu corpo, introduzir os dedos em lugares e provocar dor; aquele divertimento sádico era prazeroso.

A seguir puseram-na numa cadeira, amarrando-a com violência e força nos braços e nas pernas da mesma, apertando até dilacerar um pouco a pele, provocando cortes que revelavam a carne branca e filetes de sangue. Ela gritou, o que fez com que seus torturadores rissem ou praguejassem — estes estapearam-na, acusando-a daquilo que tanto insistiam que confessasse. O assento estranhamente era pontiagudo, perfurando suas nádegas.

Um dos homens, alto e robusto, rosto severo e marcado por cicatrizes, foi até uma mesa e pegou uma pinça, retornando com um sorriso prazeroso, mostrando para sua vítima o equipamento. Queria que ela temesse e sofresse pelos seus pecados contra a Igreja; viera de tão longe para isso, somente para encontrar a Fera e se deparara com algo bem mais interessante.

Ele ordenou que um de seus ajudantes segurasse com firmeza o punho direito da acusada, sendo prontamente atendido. Em seguida encostou a ponta da pinça na unha do dedo minguinho, levando-a até a parte que se une a carne, prendendo-a entre o objeto. Com uma puxada brusca, arrancou parte da unha, fazendo a vítima gritar. Não satisfeito, pôs o equipamento no que restou e puxou para cima, agora provocando uma hemorragia ainda maior do que na primeira vez.

 Essa pequena e dolorosa cena se repetiu, com poucas variações, várias vezes, cessando quando não restou mais sequer um pedacinho de unha para ser arrancada, deixando os dedos da acusada cobertos de sangue e ferimentos horríveis.

O torturador acenou para um magricela ruivo, que entendeu que era a sua vez de brincar um pouco. Este foi para a mesa, procurando algo para ser usado. Demorou-se um pouco, pegando por fim um chicote pequeno, de correias de couro duro e com alguns espinhos. Bateu uma vez na mesa, para testar. Seria perfeito!

Próximo da vítima, ele roçou a haste do objeto de tortura nos seios firmes e pálidos, sem qualquer pudor. Passeou com aquilo pelos ombros, pescoço, nuca, costas, braços... De repente uma chicotada e um grito medonho, alto, o sangue descendo pelo ombro esquerdo, escorrendo pelas costas e parte do seio. Outra chicotada, quase no mesmo instante, e o braço também foi coberto de cortes e sangue. Mal a prisioneira se recuperou da segunda chibatada, mais duas seguidas foram dadas, esfolando ainda mais o ombro e o braço.

O homem magro virou-se para seu superior, que assentiu que ele continuasse.

Não usaria mais o chicote. Voltou para a mesa e pegou uma haste metálica com uma das extremidades de madeira. Caminhou até a lareira que ardia naquela sala cedida gentilmente para aquela finalidade, pondo a ponta afiada nas chamas. Enquanto o ferro aquecia, ele gritou para a pobre infeliz, perguntando acerca da Fera.

Claro que ela desconhecia qualquer coisa sobre o monstro, exceto aquilo que lhe era contado, aquilo que todos sabiam: que a criatura matara mais de sessenta pessoas, ferira outras oitenta, matara lobos e animais domésticos. O que mais se poderia saber além disso? Corria o boato de ser um loup-garou, um monstro meio lupino, meio humano, fruto de pactos demoníacos.

Eles acreditavam mesmo que ela, uma pobre camponesa, sabia acerca de uma criatura infernal, que havia algum contato entre ela e a besta?

O ferro estava avermelhado em alguns minutos. Era hora de marcar aquela pele pecaminosa!

O cheiro de carne queimada se espalhou pelo ambiente, acompanhado pelos gritos assustadores da acusada, que se contorcia na cadeira, tendo a carne das nádegas ainda mais ferida. As cordas roçaram seus punhos e tornozelos, agravando os ferimentos.

— Diga! — urrou o magricela, mostrando o ferro acabado de ser retirado da lareira, o rubro intenso, o calor forte. — Cadê a Fera?

— Eu... eu... juro por Deus... que não sei — respondeu a interrogada, os lábios feridos pelas mordidas aplicadas na tentativa de sufocar um pouco a dor.

— Blasfêmia! — gritou o homem robusto. — Usas o nome do Bom Deus em vão! Arderás no Inferno, ao lado daquela Fera e de seu mestre!

O corpo da camponesa estremecia, cansado, dolorido, machucado. Era tanta dor que parecia se anestesiar. Nem sentiu com tanta intensidade as queimaduras. Desfaleceu.

Quando acordou, estava num quarto pequeno. Melhor, estava numa cela com uma cama de pedra, uns panos velhos, um balde com água, um pão meio duro e mofado, um prato com algo que mais lembrava o que se dava aos porcos. Nua. Suas roupas estavam jogadas num canto. Vestiu-se com dificuldade, os dedos inchados e doloridos.

Rasgou um pedaço de um dos panos imundos, pegou uma caneca e lavou-o rapidamente; sentou-se no chão duro e sujo, cuidando de seus ferimentos com lentidão. Chorava baixinho, pensando em toda a humilhação que sofrera. Cada ferimento que tratava como lhe era possível, cada queimadura, corte, dilaceração e perfuração — que lhe dificultava sentar-se como antes —, tudo aquilo era uma forma de lhe mostrar o quão injusto era o mundo.

Lembrou-se de sua mãe, de seu pai e de sua irmã, os três mortos misteriosamente. Sobrevivera por sorte — ou milagre, como disseram muitos —, passando a viver no casebre, com um cão que era de seu pai, um bom mastim de pelos negros, porte majestoso, excelente galgo. Era um animal dócil com quem simpatiza, contudo perigoso a quem não lhe agradava.

Era jovem, vivendo praticamente sozinha no campo, não muito perto de uma pequena vila, quase perto da floresta onde muitos ataques da Fera ocorrera. Não temia tanto o animal monstruoso, afinal possuía uma confiança imensa em Ortros, o seu melhor amigo e protetor. Não pensava em se casar, nem mesmo com os filhos de alguns homens importantes da região, que mais queriam algum tipo de prazer do que algo sério com ela. Poucas vezes era vista na igreja, pois sempre se ocupava em afazeres para manter-se; precisava trabalhar para garantir seus alimentos, suas vestimentas, suas necessidades; Deus entenderia isso, com certeza.

Embora órfã, era feliz. Não vivia reclamando da vida, como a maioria das pessoas. Tinha motivos para agradecer, mesmo que poucos vissem. Tinha uma crença diferente, apenas isso. Procurava ver sempre algo interessante e positivo em tudo o que lhe acontecia. Era algo simples, como respirar.

As crianças gostavam de sua companhia, pois era uma pessoa simpática, meiga, solidária, sempre gentil e alegre, contava histórias antigas, de povos que não existiam mais. Aquilo a fazia querida, até mesmo entre os adultos, que a viam como alguém que os filhos e irmãos mais novos poderiam ficar sossegados.

Não era anormal ver também Ortros deitado, todo manhoso, como um gatinho, enquanto os meninos e meninas franceses coçavam a sua barriga, roçavam seus pelos negros e brilhantes. Ele abanava o rabo, sem qualquer sinal de ameaça.

Mas, tudo aquilo se fora por algum motivo. Agora todos a viam como uma ligação entre os ataques e a Fera, como a possível causadora ou cúmplice do que estava ocorrendo.

Uns sons baixinhos lhe chamaram a atenção. Vinham da janela.

Levantou-se com dificuldade, indo para lá. A noite estava alta, escura, sem lua, sem estrelas. Apenas o olhar atencioso do cão negro lá embaixo, metros abaixo da janela com grade.

— Oh, Ortros! — emocionou-se a camponesa.

O animal levantou-se, apoiando-se pelas patas traseiras, pondo as dianteiras na parede, ficando mais perto da dona, que conseguiu tocar os dedos feridos em sua cabeça grande. O mastim ainda lambeu sua mão, ganindo.

Talvez sob o efeito da pouca luz, ou ainda por pura imaginação, mas a prisioneira viu lágrimas brotarem dos olhos de Ortros.

E como disse um manolo no comentário de uma postagem, ainda sou um merdinha e não tenho pelo no saco (ofende e assassina o português o coitado).
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