As Paranoias de Alastair Dias

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Olha eu outra vez em mais uma postagem sobre minhas paranoias.

E o que temos para hoje?

....................

Ah! Claro!

O amigo Rochett Tavares organizou uma antologia intitulada Os Selavagens Cães Cadáveres de Guerra!

Mas que porra é esta, você me pergunta, certo?

E deixo que o próprio organizador responda:


"Finalmente saiu!

Depois de um longo tempo, Os Selvagens Cães Cadáveres foram soltos! Sete contos onde os horrores da 2ª Guerra Mundial são descritos de um modo como você jamais viu!

Participaram deste projeto os amigos Alastair Dias (O Formigueiro), Celly Monteiro (Sim, Senhor), Marcelo Augusto Claro (Polyushka Polye), Eric Musashi (A Solução Barbarossa), os estreantes Monica Krupp (Volta ao Lar) e C. R. Gondim (Frank).

Não resisti e, de última hora, também resolvi incluir um conto meu redigido especialmente para a coletânea (Pelotão 356).

Esse livro é a união de duas coisas que atiçam o imaginário humano: o horror e a 2ª Grande Guerra. Leitura de excelente qualidade para aqueles que possuem o coração forte e não tem medo de mergulhar na história dentro da história; nos bastidores de um conflito cujas sequelas ainda hoje ecoam em nossa realidade.

O links para o download do Ebook são:
Ebook Os Selvagens Cadáveres de Guerra Link01

Ebook Os Selvagens Cadáveres de Guerra Link02"

Mas, por que baixar este e-book sem um aperitivo?
E cá vai eu dar uma amostra do que está nas páginas desta antologia de zumbis e sangue.


O Formigueiro
Alastair Dias


I – Zelda
A pistola apontada para a cabeça e um prato nojento de carne humana eram coisas que amedrontavam a todos, pois ou comiam o que lhes era oferecido ou levavam um tiro no meio da testa, acabando com aquela existência degradante. Claro que os infelizes acabavam comendo aquilo, apesar de muitos preferirem a morte e não terem coragem de abraçá-la.
O sabor da carne crua era nauseante, sobretudo se a mente lembrasse ao estômago que era de um homem ou uma mulher — ou criança, na mais extrema hipótese. Talvez a fome ajudasse na execução da refeição, mas a maioria tinha muita dificuldade para ingerir o alimento.
Os soldados se divertiam ao verem aquelas raças inferiores comportando-se como animais, como de fato eram e pregava o Führer. Um ou outro chutava uma das cobaias apenas pelo prazer de humilhá-la mais um pouco ou matá-la com um tiro na cabeça, espalhando os miolos pelo piso e obrigando as outras a comerem-nos.
O campo de concentração não servia para executar os inimigos da causa e a escoria humana, como ocorria com tantos outros, e sim para testar uma centena de coisas que a ciência nazista vinha se dedicando há anos. Alguns testes envolviam a purificação das raças inferiores, a criação de outra superior, a ariana, e o aperfeiçoamento dos soldados.
Apelidado de “Formigueiro” por se encontrar abaixo da terra e ter inúmeros setores, o local ocultava todos os segredos dos estudos sobre experimentos científicos e místicos, aqueles que se ouviam boatos estranhos e nenhuma confirmação. Os resultados obtidos, fossem positivos, negativos ou duvidosos, eram passados e repassados a outros núcleos, que os analisavam e entregavam-nos ao Führer.
No setor de Purificação das raças, que era um nome carinhoso para uma área onde ciganos, judeus, homossexuais e outros membros das raças inferiores eram usados como cobaias para inúmeros testes genéticos, físicos, psicológicos, químicos e biológicos dos mais diversos. Se bem sucedidos, as cobaias iam para outro setor, o de Vigilância; se falhassem, o Buraco estava pronto para os cadáveres.
Seguindo o trajeto pelos corredores, os olhos da garota vislumbraram um enorme salão cheio de colchões, aposento em que homens e mulheres, todos de aparência germânica, pele branca, cabelos louros, olhos azuis e de perfeita forma física se acasalavam como animais, sob os olhares de cientistas que anotavam tudo em pranchetas. Aquilo era estranho, mas devia ter algum fundamento, pensou ela, desviando o olhar.
Claro que havia, pobre órfã! O setor no qual passava se chamava Aperfeiçoamento da Raça Ariana, uma parte do Formigueiro que realmente era mais agradável, pois havia boa comida, bebidas refrescantes e saborosas, conforto e condições dignas a um ser humano, fora o fato de ocorrer orgias diariamente com o intuito de produzir o melhoramento completo da raça ariana.
Ao desviar o olhar negro, a moça notou a presença de um rapaz lindo, embora levemente machucado no rosto e bastante maltratado no vestuário. Esboçou um sorriso simpático, mas não foi notado por ele, que mantinha a cabeça abaixada, sereno.
Após um longo caminho percorrido, os novos prisioneiros chegaram aos setores que ficariam trancafiados, a Câmara. Era dali que se retiravam as cobaias para a Purificação ou servos para alguma tarefa desumana. Era ali o lar das raças inferiores e impuras capturadas, onde serviriam a um bem muito maior do que suas vidas insignificantes.
Descrever o ambiente seria como descrever a sala de espera de um matadouro: paredes, teto e chão muito encardidos, descascando na maioria de suas extensões, cheios de goteiras, vazamentos e musgos, rabiscos ilegíveis e símbolos esquisitos; o corredor enorme dava acesso a celas ou células com símbolos específicos para os grupos principais de cativos — homossexuais de ambos os sexos, Testemunhas de Jeová, muçulmanos, judeus, negros, ciganos... Cada um era posto numa célula, trancafiado num quarto com outras dezenas de pessoas.
Zelda foi posta no grupo dos ciganos, grupo o qual apenas ela sobreviveu a um ataque e representava com muito orgulho.
Sozinha em seu canto, ainda pensativa, a garota chorou por horas a perda dos pais e dos irmãos. Agora era ela e ninguém mais. Estava presa num lugar desconhecido e condenada a morte, uma morte bárbara, desumana. O desespero a dominou. Mal fizera dezoito anos e estava fadada a um destino cruel.
O seu pranto só acabou quando os guardas apareceram em sua cela, gritando coisas que ela não entendia. Ao ser puxada com força para fora, compreendeu que era hora de sair para alguma coisa.
Todos os prisioneiros foram levados para uma sala larga e comprida no setor, cada um posto diante de um prato com carne crua, ainda ensanguentada, branca como a de frango, e um caneco de ferro com água. Aquilo seria o que comeriam e beberiam.
Um homem se recusou a comer de imediato. Tombou no piso negro com um buraco no olho direito. Houve muitos gritos e choros. O coitado estava ao lado esquerdo da jovem cigana, que não gritou como as outras pessoas; apenas estremeceu um pouco devido ao barulho quase ensurdecedor do disparo.
Ao olhar o chão encardido, ainda com resquícios de sangue bem seco, viu o prato de carne crua sendo envolvido pelo líquido vermelho e grosso, que continha pedaços dos miolos do morto. Era uma cena grotesca, entretanto excitante, envolvente, bela. Sem o mínimo pudor, Zelda pegou a carne com seus dedos delicados e morenos, levando-a a boca. O gosto era estranho, mas bom, muito bom.
Um dos guardas sorriu, apontando para a garota. Os outros se dividiram entre os que gostaram do que viram e os que estranharam, afinal ninguém comia aquilo logo de cara, com tamanha vontade e naturalidade. Tinha que ser muito perturbado para fazer aquilo tão serenamente.
Após a refeição, todos retornaram para seus lugares. E um tempo imensurável se seguiu até que dois guardas surgiram no corredor. Os olhos da cigana os acompanharam atentamente, intrigados. Viram-nos abrirem a célula das lésbicas e agarrarem uma mulher ruiva e de pele branca. O que fariam com ela?
A resposta logo foi respondida: um dos homens despiu-a violentamente ali mesmo, para quem quisesse ver, enquanto o outro apontava a pistola para cabeça da coitada, num gesto de ameaça. Apalpou-lhe os seios desnudos com muita força, avermelhando-os, mordeu violentamente a sua carne a ponto de provocar pequenos sangramentos. Abaixou a calça, revelando um pênis ereto; puxou a cabeça da mulher para baixo, obrigando-a a agachar-se até a altura de sua virilha.
Zelda assistiu ao estupro com grande curiosidade e interesse. Sentia náuseas por ver a violência contra o sexo feminino, algo abominável, e prazer, muito prazer, algo orgástico. Por que aquilo lhe acontecia? Por que simplesmente não sentia uma coisa só? Por que lhe ocorria de sentir coisas opostas ao mesmo tempo?
A vida no setor era monótona depois de alguns dias. Comer carne humana crua duas vezes por dia, ser estuprado ou ouvir e ver alguém o sendo diariamente, servir de cobaia a algum teste. Não havia muita coisa. E o mais trágico era o conformismo. Se houvesse força de vontade para lutar...
Os guardas entraram e fitaram a cela na qual estava a garota. Sorriram. Um deles abriu a porta de ferro com grades enferrujado e pegou-a pelo braço, que se levantou e o seguiu sem protesto. Desconfiava que fosse a sua vez de ser abusada por aqueles homens perversos — e, de algum modo, ansiava-o. Queria saber como era ser possuída por tantos homens ao mesmo tempo, sentir a dor que as outras sentiram, sentir prazer. Contudo, decepcionou-se ao ser levada para outro setor, o de Purificação.
Esta área era muito esquisita, cheia de aparelhos e fios, televisores, coisas que Zelda nunca tinha visto antes em sua curta existência. Era tudo impressionante e fascinante, atraente e assustador. Novamente a ambiguidade a atormentava, deixava-a confusa e surpresa. Isso não era nem um pouco normal.
Puseram-na numa cama de colchão fino e duro, amarrando-lhe os braços e as pernas em correias anexadas ao objeto desconfortável, enfiando a seguir agulhas em suas veias e artérias, fazendo-a arrepiar-se com o toque gélido. Aparelhos principiaram a apitar baixinho por todos os lados. O que pretendiam fazer com ela?
Os cientistas a cercavam ora ou outra, realizando análises preliminares, apalpando partes de seu corpo, examinando a boca, os olhos, a pulsação, a respiração e os reflexos, anotando tudo em pranchetas. Aquilo era estanho e agradável, uma ambiguidade que perseguia a jovem desde criança. Era impossível manter-se fixa numa coisa somente. Tudo lhe atraía de algum modo, duas coisas ao mesmo tempo.
No acampamento cigano, até semanas atrás, ela era mal vista por quase todos. Não tinha amigos. Nunca namorara. Nunca havia sentido a graciosidade que há em ser amada. Havia amado, é claro, mas nunca foi algo recíproco. Sonhava com um abraço, um beijo, a realização de ser mulher. Isolava-se na floresta por horas, precisando de um bom banho para poder retornar à vila. Numa dessas voltas, foi capturada.
Assim que os testes iniciais foram feitos, iniciaram-se os principais. Tiraram fotografias da cobaia tanto vestida quanto despida — algo que inexplicavelmente a ciganinha apreciou. A seguir pegaram frascos com substâncias de nomes desconhecidos e complicados e retiraram pequenas doses por intermédio de seringas. E, por fim, injetaram uma a uma na veia dela, que gemeu de prazer até desfalecer.
Quando voltou a si, estava numa sala toda branca, sobre uma cama de colchão mais macio do que o da outra sala. Ergueu a cabeça, girando-a para o lado esquerdo, confusa. Onde estaria? Levantou-se, pondo-se sentada. Seus pés tocaram um piso liso e morno. As têmporas latejavam um pouco. Olhou em volta com mais atenção, enxergando apenas uma figura humana no outro lado do aposento.
Zelda andou até aquela pessoa agachada, embora estivesse um pouco tonta e atrapalhada nos movimentos. Algo nela estava diferente, mas do que o normal. Parecia sentir melhor as vibrações do ambiente, o ar, o calor, o frio, a gravidade, tudo de uma única vez, ao mesmo tempo. Não era mais como antes, quando ela sentia apenas duas coisas por vez, mas sim agora sentir todas.
Conforme se aproximava, percebia que aquela pessoa era aquele rapaz que vira quando entrara no Formigueiro, apesar de estar muito mais bonito e mais bem tratado do que a primeira vez que o vira. Ele rabiscava alguma coisa no chão, sussurrando palavras estranhas. Ao notar a presença da garota, parou o que fazia e virou-se para ela, erguendo-se.
Ambos se olharam por alguns segundos, tempo suficiente para surgir um desejo neles. Não se entenderiam caso resolvessem falar, mas se compreenderiam perfeitamente de outra forma. Pareciam feitos um para o outro, almas perdidas que agora se encontravam. A aproximação física apenas confirmava tudo.
O abraço apertado, o beijo forte. Tanto o corpo ansiara por aquilo! E tanto a mente devaneara para tentar satisfazê-lo! Porém agora sim ambos se satisfaziam verdadeiramente. O corpo pálido de Zelda fora despido, revelando toda a sua juventude, beleza oriental e pureza, a perfeição de formas belas e atraentes, a fonte da perdição masculina. Cada parte, por mínima que fosse, foi apalpada, beijada, acariciada, mordiscada, sugada, amada. Era algo maior do que a jovem um dia devaneou.
Nus, ambas as cobaias se uniram, satisfazendo-se completamente. Na cama do rapaz ficara o vermelho do fim de uma época de sonhos e delírios virginais. E através de um espelho secreto, cientistas anotavam tudo com largos sorrisos nos lábios perversos, mal sabendo eles que haviam sentenciado o fim àquilo que construíram em poucos dias.


E para não perder o costume:

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