As Paranoias de Alastair Dias

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Hoje é SEXTA-FEIRA 13, né?
Legal...
Não sou muito fã desta paranoia, mas vamos comemorar a data com uma prévia de "A Floresta dos Não-Mortos", sequência de "O Formigueiro", noveleta presente em Os Selvagens Cães Cadáveres de Guerra.


I
O sol se erguia com grande preguiça, iluminando as copas das árvores naquele Dia do Senhor, enquanto a família se preparava para mais um dia maravilhoso e abençoado. Era chegado o único dia da semana que lhes era permitido vestir roupas mais novas e em estados mais conservados e irem ouvir a pregação na pequena igreja na zona rural.
O pai, um homem que perdera um dos olhos na Primeira Grande Guerra, havia se tornado rígido com a educação que recebera e com as coisas que testemunhara. Viúvo, pois a esposa morrera um seis meses antes, vítima de um mal que a fizera definhar por semanas, passara aos filhos a melhor educação possível sempre, sobretudo após a morte da santa e amada mulher. Ele era respeitado não apenas por ser um veterano de guerra, como também por ser o melhor caçador e grande candidato a assumir a dirigência da pequena igreja.
Esse homem tão reto e autoritário — por que não acrescentar austero — tinha nos filhos seus grandes orgulhos e prova de que com a educação apropriada se era possível formar pessoas decentes e temerosas a Deus. E sempre que falava sobre as Escrituras, nas rodas de amigos e membros protestantes, citava cada um dos filhos como exemplo daquilo que queria tanto afirmar.
O confortável e simples casebre, no qual o pai e seus quatro filhos moravam, era situado a poucas dezenas de metros de um belo riacho de águas cristalinas e de fundo colorido. Era dele que a família conseguia tirar mais da metade do que precisava, como água potável para beber e irrigar as plantações do pomar e da horta, peixes deliciosos e o que mais pudesse ser aproveitado de lá. O restante, aquilo que o riacho não oferecia, era retirado da terra e da floresta — ou trocado através de barganhas.
Naquele domingo, visto que haviam se arrumado mais cedo devido às festividades especiais, o caçula dos quatro filhos foi para a beira do pequeno rio admirar de maneira narcisista sua beleza — cabelos lisos, caídos aos ombros, pele alva, imaculada, olhos em um tom levemente azulado. O pequeno olhava o seu reflexo quando algo o fez dar um pulo e gritar.
— O que foi, Boris? — gritou o pai, correndo para perto do garoto, que chorava e tapava os olhos, de costas para o ponto que tanto ajudava a sua família.
Óbvio que o filho não respondera. Nem precisara: diante do único olho do homem as águas antes límpidas eram maculadas com fios vastos de um rubro agressivo.
— Deus Pai! — exclamou o chefe da família, esquecendo-se do filho e avançando para perto do riacho.
Um milagre havia acontecido, um sinal dos fins dos tempos: a água pura fora convertida em... sangue!
— Zoya! Irina! Andrei! — urrou ele, com a voz autoritária e emocionada. — Venham ver isso!
Zoya, a filha mais velha, tendo entre dezessete e dezenove anos, foi a primeira a aparecer. Usava um belo — embora gasto — vestido florido que lhe cobria o busto desenvolvido e as pernas delineadas, pontos que o Inimigo poderia inserir a tentação da concupiscência nos olhos de pessoas desvirtuosas. Ela viu aquilo com horror, soltando um gritinho de assombro.
— Vejam! — insistiu novamente o pai, excitado com a cena milagrosa que se desenrolava diante de seu olhar.
Andrei, dois anos mais novo que a primogênita, veio com a outra irmã, Irina, de doze anos. Ambos olharam aquilo também com horror. Não viam no que estava acontecendo prova alguma do poder divino, mas sim uma obra demoníaca, pois um calafrio lhes percorria as espinhas.


II
Logo o pai e seus quatro filhos descobriram que não foram os únicos a testemunharem um fenômeno sobrenatural na floresta; havia casos ainda mais estranhos e incríveis do que a conversão de água em sangue: animais mutilados, rebanhos desaparecidos, vultos pela madrugada, gritos ao longe...
E, como se os acontecimentos daquela manhã, a pregação da Palavra fora por cima não apenas da temática especial já marcada, mas também dos prodígios ocorridos. O pastor falava com grande entusiasmo, sendo ovacionado por todos, que em coro ou em distintas palavras confirmavam suas palavras.
— Muitos veem o que aconteceu hoje como provas da intervenção de Deus — prosseguiu ele, muito empolgado. — Mas, irmãos, a verdade é que tudo é obra do Diabo, do nosso Inimigo! Rios transformados em sangue, animais dilacerados, gritos na floresta! Tudo obra do Demônio!
Todos ficaram entre a surpresa e o arrependimento de terem atribuído aquelas anomalias macabras a Deus.
— O Senhor me revelou em sonho que há uma prostituta entre nós! — gritava ainda mais o pregador, em tom acusador. — Uma maldita que trouxe consigo a praga para o nosso meio e agora Deus enviou Seus anjos para nos punir!
Outra revelação e todos assumiam expressões abobalhadas, olhando entre si com olhares de suspeitas. Cada um era conhecido do outro, mas seus segredos — ah! —, estes eram bem ocultos!
— E mais, amados irmãos! — avançou o pastor, descendo do pequeno púlpito de madeira. — Eu vi! Sim, eu vi a face da prostituta!
A tensão invadiu a pequena igreja com capacidade para até trinta e oito pessoas. Até alguns dias antes se acreditava que todos ali eram santos, pessoas livres de pecados, tão virtuosas que eram capazes de expulsar demônios. E agora se sabia com toda a certeza de que entre eles havia uma alma promíscua, uma meretriz que saciava os desejos de fornicação.
Dimitri, com seu único olho, mantinha-se firme. Embora cresse nas virtudes de todos ali, nunca ousou pôr a mão no fogo por ninguém, exceto por sua família. Tampouco procurou julgar o próximo. Apenas já era de se esperar uma “ovelha desgarrada do rebanho”. Ele nem se preocupou em olhar para os lados.
Ao contrário daquele homem tão confiante, os demais pareciam temer tanto por is mesmos quanto por sua família; os maridos ou desconfiavam de suas esposas ou temiam que algum pecado em relação a eles fosse descoberto; os pais temiam que uma de suas filhas tivesse se deixado levar pela safadeza; e as filhas, embora santas, evitavam olhar para o pregador, temendo que seus olhos minuciosos vissem seus pensamentos.
Zoya, parecendo tocada pela pregação, vertia lágrimas em abundância. Seu coração pulsava com grande fúria. Começou a soluçar.
O pai, vendo aquilo, orgulhou-se da filha tão preocupada com a comunidade religiosa. Daria orgulho para a falecida esposa.
— Irmãos, revelarei agora a imunda que infesta nossa igreja, aquela que merece arder no Inferno, ao lado de Satanás e sua corja demoníaca! — vociferou o pastor.
Um segundo depois um bando de pessoas entrou correndo, pulando com fúria sobre alguns membros da igreja e, com mordidas violentas, arrancaram nacos de carne ou bateram suas cabeças contra o piso ou as cadeiras, até abrirem a cavidade craniana e agarrarem os miolos e levarem-nos às bocas, como macarrão com molho de tomate.
Diante daquela cena grotesca, o pânico se instalou no seio da congregação.


III
Zoya saíra para fazer um passeio, pois precisava acalmar os desejos estranhos que sentia quando ficava perto dos rapazes da igreja. Havia lido muitas vezes as passagens na Bíblia, trechos que mencionavam os pecados da carne; estranhamente, ao invés de lhe causar repulsa, o efeito era oposto, fazendo-a devanear coisas indignas a uma moça virgem de família cristã.
Sempre que esses pensamentos vinham em sua mente, ela procurava sair um pouco para afastá-los de si. Tinha vezes que ia para uma parte mais isolada do riacho, onde se deixava mais à vontade, afrouxava as suas vestes e deslizava os dedos delicados pelo corpo, acalmando-o de tanta concupiscência. Apenas quando seus desejos eram freados, voltava para casa, alegando ao pai que saíra para orar um pouco.
Naquela manhã, para seu desespero, sentia um fogo intenso ardendo em seu corpo e uma vontade louca de apagá-lo de qualquer maneira; olhava para o pai e imaginava-o nu, abraçado a ela, afagando-lhe os cabelos. Aquilo era incesto! Não, não devia pensar em coisas como aquela de jeito nenhum!
Enquanto andava, pedia a Deus para aliviar sua alma pecadora de tantos pensamentos impuros, temendo ir para o Inferno e ser atormentada eternamente pelo Demônio e seu séquito maligno.
Logo chegou ao ponto que sempre se escondia por horas, aliviando aqueles desejos que tanto a perturbavam. Já se preparava para amenizar tanta tensão quando notou a presença de alguém ali, uma pessoa que nunca vira antes.
O jovem que estava sentado na margem do riacho, sobre uma pedra, exatamente no local que ela gostava de ficar, era loiro, cabelos lisos e quase na altura dos ombros, tão dourados que refletiam a luz solar com graciosidade; sua pele alva não possuía qualquer traço de que um dia fizera trabalho pesado — nem mesmo manchas, sardas, nada —; sua beleza parecia àquela mencionada nas Escrituras quando se referia aos filhos dos deuses, aos anjos.
Diante daquele ser angelical, que trajava roupas imaculadamente brancas, Zoya se prostrou, temerosa. Com certeza era algum anjo do Senhor que viera castigá-la pelos seus pensamentos pecaminosos. Lágrimas escorreram de seus olhos, enquanto soluçava uma oração.
(...)

E aquela imagem que os manolos gostam:

One Response so far.

  1. Crie pêlo no saco antes de vir emporcalhar nossa página com sua diarréia mental, seu merdinha.

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